O Currículo do CDF ― Apresentação

Você já deve ter ouvido falar da reformulação do Ensino Médio. O chamado “Novo” Ensino Médio prevê diferentes “itinerários formativos”, atendendo a uma reivindicação antiga de professores e estudantes. Quer dizer que você poderá escolher, em algum momento do início do curso (provavelmente ainda no primeiro ano), se você vai estudar, por exemplo, mais matérias de Ciências Exatas e Naturais ou de Ciências Humanas e Sociais – ou Educação Artística, Prática Desportiva, ou mesmo um curso técnico. Exatamente quais conteúdos serão ensinados em cada itinerário formativo é algo que vai ser definido pelos currículos elaborados pelas Secretarias Estaduais de Educação.

O Ministério da Educação elaborou uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que lista conteúdos mínimos que devem ser ensinados. Acontece que a BNCC do Novo Ensino Médio acaba com as disciplinas separadas. Não vai ter mais aulas de Matemática, Biologia, História ou Literatura, mas os conteúdos dessas disciplinas todas serão misturados em disciplinas “mistas”. O que é um grande erro, porque cada uma tem seus próprios métodos de investigação da realidade, suas próprias teorias elaboradas ao longo de séculos, terminologias, etc. Ao misturar as disciplinas dentro de cada itinerário formativo, os conteúdos ficaram tão raleados, tão rarefeitos, que os novos livros aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que são aqueles que as escolas públicas podem encomendar para o Governo Federal comprar para elas, pouco avançam além do nível dos livros do Ensino Fundamental 2.

Como se não bastasse, os “itinerários formativos” implantados pelas Secretarias Estaduais de Educação nas escolas públicas estão repletos de pseudodisciplinas como “O que rola por aí?” e “Ação! Está em suas mãos.”, que nem os professores obrigados a lecioná-las sabem do que se tratam. E outras mais que ensinam a fazer brigadeiro ou a aparecer nas redes sociais. Pegue qualquer grade horária do Novo Ensino Médio. Elimine todos os tempos de aula de disciplinas que tenham mais de uma palavra no nome. O que sobrar é a parte possivelmente ainda útil. Muito pouco, você verá.

Nos próximos anos, o Enem também terá que se adequar aos novos itinerários formativos do Ensino Médio, aos conteúdos recomendados da BNCC, e aos novos livros fraquíssimos do PNLD. Como as provas vão ficar ainda é uma grande incógnita, mas uma coisa é certa: mesmo os estudantes que tirarem boas pontuações no Enem não estarão preparados para encarar uma faculdade. Podem até conseguir vagas pelo SISU, mas não vão ter base para acompanhar os cursos, e tenderão a desistir. É capaz das universidades começarem a abandonar o Enem como critério de seleção de ingresso de estudantes e voltarem aos seus vestibulares tradicionais. Aí elas poderão continuar cobrando os conteúdos que elas consideram pré-requisitos mínimos aos candidatos a seus cursos mas que não serão mais ensinados no Ensino Médio, e os estudantes que se virem.

As escolas particulares (e umas poucas públicas, como os Colégios de Aplicação le os Institutos Federais) vão dar seu jeito de continuar ensinando os conteúdos importantes, mesmo que tenham, por força de lei, que incluir na grade horária também as pseudodisciplinas inúteis. Terão seus próprios “itinerários formativos” voltados para os vestibulares, com disciplinas separadas, livros tradicionais ou apostilas especiais. Mas a maioria das escolas públicas, das redes estaduais, com todas as dificuldades que já enfrentam, não poderão fazer o mesmo. E seus estudantes, em sua maioria pobres, ficarão ainda mais excluídos das melhores universidades.

O Novo Ensino Médio, daqui pra frente, servirá bem para a maioria dos estudantes, que encerrarão sua vida escolar nesta etapa, ou que se contentarão com uma faculdadezinha qualquer. (“Fábricas de diplomas” tem aos montes.) O estudante que almeja um curso concorrido numa universidade conceituada, pública ou particular, mais do que nunca precisará estudar além, muito além, do que aquilo que será ensinado na escola.

A melhor estratégia para o estudante CDF que está fora das grandes escolas é, simplesmente, não fazer o Ensino Médio. Estudar por conta própria, em casa mesmo, usando livros antigos, sejam as versões impressas, vendidas em sebos (lojas físicas ou virtuais especializadas em livros usados), ou versões em PDF (piratas) baixadas da internet. Depois, quando completar 18 anos, o estudante autodidata faz o Encceja (Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos), uma prova mais fácil que a do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), para obter um certificado de Ensino Médio. E então, estará apto a fazer o Enem e os vestibulares para disputar uma vaga numa universidade.

A desvantagem é que, para quem conclui o Ensino Fundamental com 14 anos, são mais quatro anos até poder fazer o Encceja, ao passo que o Ensino Médio regular são apenas três para concluir. Mas mesmo este ano extra pode ser convertido em vantagem, pois é um ano a mais para se preparar intelectualmente e para amadurecer psicologicamente.

Mas será que você consegue estudar sozinho, sem a orientação de professores? Só testando pra saber. Faz o seguinte, comece a seguir um dos roteiros de estudo daqui do Guia do CDF. Se você se sair bem, conseguindo estudar pelo menos metade do tempo que passa acordado, e acertar pelo menos 4/5 (80%) dos exercícios que fizer, então você pode largar a escola sem medo. Você vai aprender mais estudando em casa do que na escola.

Para quem tem dificuldade de aprender sem explicações de viva-voz dadas por um professor, há diversos canais no Youtube que suprem essa necessidade. Quanto ao aspecto da socialização, muito importante na adolescência, é só frequentar um clube ou uma academia, estudar música ou praticar um esporte, pra fazer amizades da sua idade.

Uma vez que você tenha determinado que é capaz de estudar por conta própria, o próximo desafio que você vai ter é convencer os seus pais ou responsáveis de que você abandonará a escola, mas não os estudos. Se eles não entenderem, nada feito. Você também precisa esclarecer pra eles como funciona o Encceja, pra eles saberem que você não deixará de ter um certificado de Ensino Médio. Só vai levar um ano a mais para obtê-lo.

Depois que você tiver convencido seus velhos, você vai precisar estabelecer um planejamento para os próximos anos, que inclui uma rotina diária de estudos, entre outras atividades. Recomendo estudar o dia inteiro, de manhã e de tarde, todos os dias, incluindo fins de semana, e todos os meses do ano, sem férias. Um feriado ou outro que você tire de folga, pra viajar com a família ou passear com os amigos, vá lá. Fora essas situações esporádicas, todo dia é dia de aprender.

Férias só servem pra fazer você esquecer o que aprendeu durante o ano letivo. Os professores precisam tirar férias porque são trabalhadores, se cansam fisicamente, mentalmente e emocionalmente ao dar aulas. Com os estudantes, é diferente; eles estão construindo seu conhecimento do mundo e sua personalidade a cada dia. Se ficam cansados ou estressados, não é nada que uma atividade de lazer e um boa noite de sono não aliviem. Não precisam ficar dias, semanas, meses sem estudar para “descansar”.

Estudando um ano a mais, todos os meses do ano, e todos os dias da semana, você vai poder estudar os conteúdos com calma, refazer exercícios que errou, fazer revisões periódicas do que estudou antes. Vai estudar os mesmos assuntos mais de uma vez, em profundidade crescente, a cada vez fixando melhor os conteúdos na memória. E sem passar pelo estresse do vestibulando, quando os estudantes entram em modo desespero, ao se darem conta de que não conseguirão aprender ou revisar todo o conteúdo até as provas, mesmo que estudem dia e noite. Você chegará muito mais preparado e confiante, até mesmo relaxado, aos dias de prova.

Quer ver só? Vamos fazer umas contas… Os três “anos” de Ensino Médio são, na verdade, 24 meses (12 bimestres, 4 por ano), descontando as férias. E as “semanas” destes meses têm 5 dias, ao invés de 7. Multiplicando 24 por 5/7, temos que todo o Ensino Médio poderia ser cursado, sem dias ou meses de folga, em pouco mais de 17 meses – menos de 1 ano e meio!

Já se você seguir o que eu proponho, estudando todos os dias da semana e todos os meses do ano, você terá de agora até o ano em que completar 18 anos pra aprender todo o conteúdo do Ensino Médio. Começando a estudar no início do ano seguinte em que terminar o Ensino Fundamental (quando você faz 15 anos), você terá 48 meses, perto de três vezes mais tempo, para estudar o mesmo conteúdo! Começando no início do ano em que completa 16 anos, serão 36 meses para aprender tudo, pouco mais de duas vezes mais tempo. Começando no início do ano em que faz 17, serão 24 meses, quase uma vez e meia mais tempo.

Claro, nada impede que você comece a estudar, digamos, aos 17 para fazer o Enem com 19. (E, óbvio, você pode começar em qualquer época do ano, não tem que ser só no início.) Depende muito do momento em que você resolver sair da escola pra estudar sozinho, de quanto do conteúdo você já terá aprendido, e de quanto ainda precisará aprender para alcançar seu objetivo. Também os melhores cursos das melhores universidades, quer aceitem ingresso pelo Enem ou pelo vestibular, exigem mais tempo de preparação.

Falar em três, quatro anos parece muito tempo, mas apenas porque você é muito novo. Você provavelmente não tem lembranças anteriores aos 3 anos de idade. Então, se você tem, por exemplo, 16 anos, você lembra de ter vivido 13 anos. Um intervalo de 4 anos é quase 1/3 de todo o tempo que você recorda que viveu! É como se fossem 15 anos para seus pais. Mas acredite, passa muito rápido…

Como a razão de ser do Guia do CDF é justamente dar subsídios para que estão fora das melhores escolas terem chances de disputar as vagas dos cursos mais concorridos das melhores universidades, resolvi propor um “itinerário formativo” especial para você. Chamo de Currículo do CDF. Ele está organizado por áreas do conhecimento, e dentro de cada uma há indicações sobre o quanto você deverá avançar, dependendo de quais são seus objetivos. Até onde você deve ir neste currículo depende do curso superior que você pretende fazer, qual a universidade onde você quer estudar, e quanto tempo falta até as provas.

Organize suas sessões de estudo como “tempos de aula” no colégio. Mas não use tempos iguais para todas as sessões, que isso é contraproducente. Faz assim:

De manhã:

  • Primeiro tempo: 07h00 a 07h50
  • Segundo tempo: 08h00 a 08h50
  • Terceiro tempo: 09h00 a 09h40
  • Quarto tempo: 09h50 a 10h30
  • Quinto tempo: 10h40 a 11h10
  • Sexto tempo: 11h20 a 11h50

De tarde:

  • Primeiro tempo: 13h00 a 13h50
  • Segundo tempo: 14h00 a 14h50
  • Terceiro tempo: 15h00 a 15h40
  • Quarto tempo: 15h50 a 16h30
  • Quinto tempo: 16h40 a 17h10
  • Sexto tempo: 17h20 a 17h50

Observe que, tanto de manhã quanto de tarde, são dois tempos de 50 minutos, dois de 40 minutos e dois de 30 minutos, com intervalos de 10 minutos entre eles (quando você realmente deve interromper o estudo e ir fazer qualquer outra coisa). Por que usar tempos de estudo decrescentes? Porque, mesmo fazendo pausas, seu cérebro vai ficando fatigado com o passar das horas, e menos capaz de manter a concentração por longos períodos. É por isso que, na escola, ninguém aguenta a última aula de um turno, fica contando os minutos pra “bater o sinal” e ir embora! Mas as escolas, estupidamente, não ajustam seus tempos de aula para dar conta dessa fadiga natural. Você, espertamente, vai poder fazer isso.

Mas e as disciplinas estudadas nos dois últimos tempos, não vão ficar prejudicadas? Não se você, ao invés de estabelecer horários fixos para cada matéria, fizer um rodízio delas ao longo dos dias das semanas (e ao longo das semanas dos anos), um esquema chamado ciclo de estudos. Por exemplo, se você vai fazer IME/ITA, só terá que estudar cinco disciplinas: Matemática, Física, Química, Português e Inglês. Cinco sessões de estudo, uma para cada disciplina, fecha um ciclo de estudo. Este ciclo se repete ao longo da semana, entre os tempos de estudo, da seguinte maneira:

Domingo de manhã:

  • Primeiro tempo: Matemática
  • Segundo tempo: Português
  • Terceiro tempo: Física
  • Quarto tempo: Inglês
  • Quinto tempo: Química
  • Sexto tempo: Matemática

Domingo de tarde:

  • Primeiro tempo: Português
  • Segundo tempo: Física
  • Terceiro tempo: Inglês
  • Quarto tempo: Química
  • Quinto tempo: Matemática
  • Sexto tempo: Português

Segunda de manhã:

  • Primeiro tempo: Física
  • Segundo tempo: Inglês
  • Terceiro tempo: Química
  • Quarto tempo: Matemática
  • Quinto tempo: Português
  • Sexto tempo: Física

Segunda de tarde:

  • Primeiro tempo: Inglês
  • Segundo tempo: Química
  • Terceiro tempo: Matemática
  • Quarto tempo: Português
  • Quinto tempo: Física
  • Sexto tempo: Inglês

Terça de manhã:

  • Primeiro tempo: Química
  • Segundo tempo: Matemática
  • Terceiro tempo: Português
  • Quarto tempo: Física
  • Quinto tempo: Inglês
  • Sexto tempo: Química

Terça de tarde:

  • Primeiro tempo: Matemática
  • Segundo tempo: Português
  • Terceiro tempo: Física
  • Quarto tempo: Inglês
  • Quinto tempo: Química
  • Sexto tempo: Matemática

Observe que a terça à tarde repete o domingo de manhã. Daí por diante, todo os horários das sessões de estudo dentro de cada ciclo se repetem. Com outra quantidade de disciplinas, a repetição vai começar um dia antes ou um dia depois. Você vai precisar de uma agenda, em papel ou no celular, pra controlar os ciclos de estudo semana após semana.

É claro, se você fizer um curso de idiomas, vai ter que ajustar o seu horário. Uma atividade física que você pratique (muito importante), também vai alterar seus horários. Um dia que você for ao médico ou às compras, idem. Não tem problema. Você simplesmente “empurra” o ciclo todo pra frente. Por exemplo, se você faltou o terceiro e o quarto tempos da segunda à tarde, você empurra a Matemática para o quinto tempo, no lugar da Física, e o Português para o sexto tempo, no lugar do Inglês. E na terça de manhã, você começa com a Física, segue com o Inglês, e assim por diante. Dessa forma, sem horários fixos, nenhuma disciplina fica prejudicada.

Mas mesmo se você não se sentir seguro para sair da escola, ou não obter a permissão dos pais para isso, ainda pode seguir o Currículo do CDF na medida do possível. Por exemplo, se você frequenta a escola de manhã, e devido ao traslado, almoço, etc., só pode começar a estudar às duas da tarde, pode fazer assim:

  • Primeiro tempo: 14h00 a 14h50
  • Segundo tempo: 15h00 a 15h50
  • Terceiro tempo: 16h00 a 16h40
  • Quarto tempo: 16h50 a 17h30
  • Quinto tempo: 17h40 a 18h10

Depois das 19 horas, você faz os trabalhos da escola e estuda pras provas; ou, se não tiver tarefa escolar pra fazer, estuda pelo menos mais um sexto tempo, das 18h20 às 18h50. Neste esquema, não vai dar pra você cumprir o Currículo do CDF na íntegra, mas o que você conseguir avançar, com certeza vai ser um diferencial a seu favor!

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